Após ignorar o prazo para devolver o poder aos civis, a junta militar
malinesa, que deu um golpe de Estado há duas semanas, mergulhou o país
no caos. Nesta terça-feira, três líderes da Al-Qaeda do Magreb Islâmico
(AQMI) reuniram-se com Iyad Ag Ghaly , chefe do grupo islâmico Ansar
Din, que domina a cidade de Timbuctu, no norte do Mali.
Na capital, Bamako, a população fez fila ontem para estocar alimentos e
dinheiro. Os apagões deixam a cidade sem eletricidade e sem água na
maior parte do dia. Os 15 países da Comunidade Econômica dos Estados da
África Ocidental (Ecowas) anunciaram sanções, que incluem o fechamento
de todas as fronteiras do Mali - que não tem saída para o mar.
Isolado e sem saber o que fazer, o missionário brasileiro Edson de Melo
teme pela segurança da mulher, Paula, e das filhas, Melissa, de 10 anos,
e Sabrina, de 7. Eles apostaram que a junta seria capaz de estabilizar o
país e ficaram presos em Bamako.
Por telefone, Edson contou ao Estado que é arriscado fugir de carro, que
só haverá lugares em voos internacionais a partir de domingo e que eles
não têm os cerca de R$ 8 mil necessários para pagar as passagens. Mesmo
que resolva a questão financeira - muitos amigos e missionários já
ofereceram ajuda -, comprar os bilhetes aéreos é uma epopeia
imprevisível.
"Já me aconselharam a não ir ao centro da cidade, porque há
manifestações", conta. "Mesmo que conseguisse, não há eletricidade e
nada funciona." A decisão de partir fica ainda mais difícil porque Edson
tem uma escolinha de futebol que emprega cinco pessoas e alimenta
várias crianças. "Sem a nossa presença, eles não têm ninguém."
Apesar de o comércio funcionar, as escolas fecharam. Para Edson, quase
tão angustiante quanto a insegurança é suportar o calor de 45° C sem
ar-condicionado. Há dois dias, a TV estatal está fora do ar.
Informações, só por emissoras de Burkina Fasso, da Costa do Marfim e da
França. E as notícias são péssimas.
Segundo a ONU, desde janeiro, mais de 200 mil pessoas deixaram suas
casas. Em Gao, norte do país e epicentro da tormenta, há registros de
saques a agências bancárias e começa a faltar comida. Para o
Alto-Comissariado da ONU para Refugiados (Acnur), o país está "à beira
de uma grave crise humanitária".
A tragédia malinesa começou no dia 22, quando militares chefiados pelo
capitão Amadou Sanogo derrubaram o presidente Amadou Touré. Os rebeldes
disseram que a quartelada foi uma resposta à falta de recursos para
combater o Movimento Nacional para a Libertação de Azawad (MNLA),
tuaregues que lutaram na guerra civil da Líbia e retornaram ao Mali para
combater pela independência de Azawad, como é conhecido o norte do
país.
O golpe causou uma reação em cadeia. O MNLA levou apenas uma semana para
cortar o território malinês ao meio e ocupar as cidades de Gao, Kidal e
Timbuctu. No início, os separatistas tiveram ajuda do Ansar Din, outro
grupo tuaregue, mas de raízes islâmicas.
Consolidada a vitória no norte, Iyad Ag Ghaly, líder do Ansar Din, foi
além e proclamou que a luta era para instaurar a sharia (a lei islâmica)
em todo o país, causando atrito com o MNLA.
Cisão. Os dois grupos afastaram-se mais nos últimos dias, especialmente
depois que o Ansar Din expulsou as forças do MNLA de Timbuctu e
transformou a cidade em sua base. Com isso, o conflito tornou-se ainda
mais complexo, com quatro frentes de luta: governo civil, militares
golpistas, separatistas tuaregues e tuaregues islâmicos.
Nesta terça-feira, a presença em Timbuctu de três chefes da Al-Qaeda do
Magreb Islâmico parece ter confirmado a cisão. Os argelinos Abu Zeid,
Mokhtar Belmokhtar e Yahya Abu al-Hammam reuniram-se com vários imãs e
com Ghaly, líder do Ansar Din, que estaria buscando apoio dos religiosos
para consolidar seu poder. Formada a partir de um grupo salafista
argelino, em 2002, a AQMI tem uma facção liderada por Abdelkrim Taleb,
primo de Ghaly.