domingo, 28 de novembro de 2010

''Legado de Yasser Arafat ainda impede um acordo de paz'

Roberto Simon - O Estado de S.Paulo
 
Evelson de Freitas/AETer fama de "falcão" no atual governo de Israel não é privilégio de poucos. Mas seria simplista resumir as ideias e a trajetória política de Silvan Shalom, vice do premiê Binyamin "Bibi" Netanyahu e um dos líderes do partido direitista Likud, à pecha de radical. O mesmo Shalom que bancou a retirada de todos os colonos da Faixa de Gaza, em 2005, quando era chanceler do governo Ariel Sharon, hoje faz campanha contra o congelamento nos assentamentos da Cisjordânia. Gaba-se de ter sido a primeira autoridade israelense a visitar a Tunísia e a falar com o Paquistão, "construindo pontes inéditas com o mundo muçulmano", mas, em seguida, deixa escapar que "a Liga Árabe fala muitas coisas estúpidas".

Evelson de Freitas/AE
 
Visita ao Brasil. Silvan Shalom fala em São Paulp: vice-premiê foi um dos articuladores da retirada dos colonos israelenses de Gaza, ainda em 2005
 
O número 2 do governo de Israel, que também acumula os ministérios da Cooperação Regional e do Desenvolvimento da Galileia e do Deserto do Negev, esteve na semana passada em São Paulo, quando falou com exclusividade ao Estado. Depois, Shalom foi ao Rio e chega hoje a Brasília para se encontrar com o chanceler Celso Amorim e outras autoridades brasileiras.

O sr. acredita que o Irã tem direito de enriquecer urânio para fins civis e sob supervisão internacional?

Todos sabem que os iranianos querem a bomba. Nós e todos os serviços de inteligência das grandes potências temos provas de que o Irã tem um programa com o objetivo de desenvolver armas nucleares. É por isso que essa última rodada de sanções foi imposta. Acredito que essas medidas estão funcionando, ainda que muitos em meu próprio país discordem de mim. Israel jamais aceitará a ideia de um Irã nuclear.

Conclui-se então que, se a diplomacia falhar, Israel atacará o Irã?

Não falamos sobre isso. Mas achar que o Irã pode ter um programa atômico exclusivamente para fins civis desde que dê garantias só pode ser fruto da inocência ou da hipocrisia.

Pois é exatamente essa a posição da diplomacia brasileira.

Não estou falando especificamente do Brasil. Mas o Irã expulsou inspetores, um novo reator em Bushehr acaba de ser revelado e o grau de enriquecimento do urânio está cada vez maior. Todas as empresas de países democráticos, incluindo o Brasil, estão respeitando as resoluções do Conselho de Segurança.

Essas reivindicações de Israel não ganhariam mais força e legitimidade se o país aderisse ao Tratado de Não-Proliferação e abrisse o jogo em relação ao seu próprio arsenal nuclear?
 

Você conhece algum outro país que tem seu direito de existir tão negado ao redor do mundo? Conhece um país que sofre tantas ameaças de ser riscado do mapa? Não é possível falar sobre Israel como se fosse um país qualquer. Trata-se de uma situação muito diferente. Ninguém sofre tantas ameaças de destruição quanto Israel. A doutrina da ambiguidade é nossa política desde 1948 e continuaremos com ela.

O sr. apoia uma petição contra a renovação da moratória de construções israelenses em terra palestina. Por quê?

Sou a favor da paz. Enquanto fui chanceler, abri vários caminhos de diálogo com o mundo muçulmano. Fui a primeira autoridade israelense a visitar a Tunísia, a falar com o chanceler do Paquistão, estive no Marrocos, Mauritânia, Jordânia, Indonésia e em vários outros países muçulmanos que até hoje não posso revelar. Mas, mesmo antes de o congelamento na Cisjordânia ser adotado, em novembro, eu já o considerava um equívoco, pois ele inevitavelmente se transformaria em um obstáculo futuro para o diálogo - como está acontecendo agora. A verdade é que os palestinos nunca haviam exigido a moratória para dialogar. O próprio Abu Mazen (Mahmoud Abbas, presidente da Autoridade Palestina) negociou com o premiê Ehud Olmert por dois anos sem exigir o congelamento dos assentamentos. Yasser Arafat tampouco pediu isso aos premiês Itzhak Rabin, Shimon Peres e Ehud Barak. Dou-lhe ainda dois exemplos: o primeiro-ministro Menachem Begin permitiu que colonos construíssem no Deserto do Sinai até o último dia antes de a região ser devolvida ao Egito. O mesmo ocorreu com Sharon, antes da retirada da Faixa de Gaza.

Estamos em um país que condena os assentamentos israelenses. Até mesmo os EUA, o maior aliado de Israel, critica as construções. Qual é o preço dos assentamentos para Israel em termos de isolamento internacional?

Somos uma democracia. Se Israel alcançar um acordo com os palestinos, não importará se há ou não construções em andamento. Os exemplos do Sinai e de Gaza mostram isso. Precisamos só que os palestinos aceitem o diálogo. É isso que estamos tentando há dois anos. Por que o que eles fizeram com Olmert não pode ser feito com Netanyahu? Por que Arafat negociou com Bibi e hoje Abbas não pode? Para chegar à paz, os lados terão de fazer concessões. Os árabes não desaparecerão, nem os colonos. Infelizmente, Arafat deixou um legado que impede Abbas de chegar a um acordo porque ele não pode aceitar o que seu antecessor rejeitou. Barak propôs a Arafat 97% dos territórios, três quartos de Jerusalém Oriental, soberania na Esplanada das Mesquitas e 100 mil refugiados. Do lado dos palestinos, isso levaria à fórmula "fim das reivindicações, fim do conflito". Arafat não quis e, com esse legado, é muito difícil que Abbas aceite a paz por menos.

Como chanceler de Sharon o sr. apoiou a saída de Gaza. Foi um erro?

O resultado da retirada foi extremamente negativo. O Hamas chegou ao poder e o Irã está armando o grupo até os dentes. Grandes cidades israelenses estão sob alcance de mísseis que são usados contra civis. Não era esse o resultado esperado. Em 2006, dizia-se que Gaza era a nova Cingapura. Agora, o território é muito mais fundamentalista, pobre e o Fatah foi expulso à força.

Antes de tudo isso, porém, o Hamas ganhou eleições limpas cujo resultado Israel, assim como americanos e europeus, não reconheceu.

Sim, o Hamas foi eleito. Foi um grande equívoco dos americanos na época. Segundo o acordo de Oslo, nenhum grupo que defende a destruição de Israel pode disputar a eleição palestina. Mas os EUA queriam mostrar um processo de democratização no Oriente Médio.

A ONU diz que Israel ainda veta a entrada de suprimentos necessários a civis de Gaza. Por que não permitir, por exemplo, a entrada de cimento?

Não há bloqueio a Gaza, isso é um mito. Hoje permitimos a passagem de 280 caminhões, diariamente. Mas a demanda dos palestinos é de apenas 130 caminhões. Você sabe por que? O Hamas não quer perder o lucro com o mercado negro. Após o incidente da flotilha (em maio), a lista de produtos se restringe a itens que podem ser usados em atividades terroristas. Além disso, há uma passagem para o Egito. Por que Israel deve dar suprimentos ao Hamas enquanto eles lançam foguetes contra nossas cidades? Imagine se um país atirasse contra brasileiros inocentes e vocês, mesmo assim, aceitassem ajudá-lo. Sem falar que Gilad Shalit (soldado israelense capturado em 2006) ainda está em Gaza, sem que nem mesmo a Cruz Vermelha possa visitá-lo.

O acordo para libertar Shalit em troca de mil militantes do Hamas ainda está em debate?
Você acha certo trocar mil assassinos por um soldado? Até poderíamos soltá-los, mas desde que todos fiquem em Gaza. Eles querem ir para a Cisjordânia porque ameaçarão o poder do Fatah. Nesse caso, o maior prejudicado seria Abbas. O Hamas seria o herói dos palestinos e o Fatah seria derrotado.

O sr. defende a proposta de lei que obrigaria a submissão de acordos de paz a um referendo em Israel. Para a Liga Árabe, essa é uma forma de seu governo travar um futuro acordo. O que o sr. pensa sobre isso?

A Liga Árabe fala muitas coisas estúpidas, essa é mais uma delas e pouco me importo com isso. O referendo é a forma mais alta de decisão em uma democracia. Você deixa as pessoas decidirem o que o governo fará em um assunto crucial. A França fez um referendo sobre o Tratado de Lisboa, por exemplo.

No caso de Israel, estamos falando de uma ocupação, uma anexaão não reconhecida internacionalmente, como é o caso das Colinas do Golan.

Veja, eu não posso dizer ao Brasil se ele deve ou não convocar um referendo. É uma decisão israelense e ela será tomada por Israel.

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