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Entrevista com Samir Khalil, jesuíta e especialista em Islã
Por Robert CheaibCIDADE DO VATICANO, domingo, 31 de outubro de 2010 (ZENIT.org) – Os cristãos no Oriente Médio não são vítimas de uma perseguição sistemática, mas sua vida e seus direitos sofrem uma discriminação similar a uma lenta eutanásia, que está apagando pouco a pouco sua presença milenar na região.
A assembleia especial do Sínodo dos Bispos para o Oriente Médio teve uma responsabilidade crucial em propor um remédio para este fenômeno, que o arcebispo caldeu de Kirkuk, Dom Louis Sako, define de “hemorragia dos cristãos do Oriente Médio”.
Nesta entrevista a ZENIT, o padre Samir Khalil, especialista em Islã e história do Oriente Médio, oferece um quadro histórico-religioso da situação atual na região, analisa os desafios mais urgentes e propõe algumas possíveis soluções concretas.
ZENIT: O aspecto geopolítico da presença cristã no Oriente Médio é o decisivo para sua permanência ali?
Samir Khalil: Não há dúvida de que sendo uma minoria que não supera 10% da população do Oriente Médio – enquanto que a grande maioria é de religião muçulmana – nossa existência depende do consentimento desta maioria, sobretudo porque o Islã se concebe como Estado e religião. E dado que há mais de 30 anos a grande maioria dos Estados do Oriente Médio adotou um ponto de vista islamista na realidade estatal, onde a religião decide todos os detalhes da vida cotidiana, social e política, está claro que nestas condições nossa situação depende da boa vontade dos muçulmanos e do sistema islâmico. Não há que se surpreender, então, se a questão tem ocupado uma grande relevância.
ZENIT: O senhor é de origem egípcia, mas vive no Líbano e é especialista em Islã. Como é sua relação com os muçulmanos?
Samir Khalil: Faço uma distinção entre os muçulmanos tomados singularmente e os sistemas islâmicos, simplesmente porque com os muçulmanos tomados singularmente é possível instaurar um belíssimo diálogo e um intercâmbio cultural e religioso.
Permita-me contar um episódio que confirma isso: há alguns dias me contactou no Skype um muçulmano sunita do norte do Líbano, a quem encontrei casualmente em um voo há um mês. Nosso diálogo se concentrou na Trindade e na oração. Durante a conversa, ele me disse: “doutor, gostaria de lhe apresentar minha esposa”. No Oriente, este gesto quer dizer que você já forma parte da família. Portanto, o muçulmano tomado singularmente – paradoxalmente – é muito mais próximo de nós, cristãos orientais, que um cidadão europeu. Há um sentido religioso que nos assemelha e une.
Mas se temos de falar do islamismo, o discurso muda radicalmente, porque se trata de um projeto político de fundo religioso. Como cristãos orientais, gostaríamos de ser tratados simplesmente como cidadãos com uma Constituição que transcendesse todas as religiões. Mas na maior parte dos casos, em nossos países, a Constituição baseia-se essencialmente – quando não totalmente – na lei islâmica. Este é nosso problema. À parte poucos casos como o Líbano, os Estados inclusive constitucionalmente laicos, como seria o caso da Tunísia, da Síria ou da Turquia, são culturalmente países islâmicos e privilegiam os cidadãos de religião muçulmana.
ZENIT: Qual é o eixo principal do crescimento do islamismo político e do fundamentalismo islâmico?
Samir Khalil: Por um lado há uma onda islamista que nasce no início dos anos 70. A partir de 1973, aconteceu um fenômeno econômico em seguida da guerra entre Israel e os países árabes, que viu o preço do petróleo quadruplicar em poucos meses. Assim, os países petrolíferos depararam com uma montanha de petrodólares. A Arábia Saudita, não sabendo o que fazer com esta imensa fortuna, empregou uma parte ampla dela na construção de mesquitas e escolas islâmicas. A Arábia Saudita financiou os Irmãos Muçulmanos no Egito e seu projeto era claro: islamizar a sociedade egípcia porque não era bastante muçulmana. Depois, fez a mesma operação em todos os países do Oriente Médio. Assim, no início dos anos 80, os Irmãos Muçulmanos converteram-se em tão numerosos que começaram a ser considerados um perigo na Síria. O presidente sírio Hafiz al-Asad os subjugou com força.
A Indonésia, há um par de décadas, era considerada um paraíso da liberdade religiosa em um país muçulmano. Muitos sacerdotes eram ex-convertidos do Islã. Agora este fenômeno é impossível. O mesmo na Nigéria: na última década, o número de províncias que aplicam a lei islâmica aumentou de 4 para 12. A Europa, com quase 5% de muçulmanos, sente-se invadida e ameaçada.
Assim, a chanceler alemã, Angela Merkel, lançou um alarme há poucos dias, anunciando o fracasso do modelo de integração, porque são precisamente eles os que não querem integrar. Por que não se integram? Porque têm um projeto religioso, enquanto que os Estados nos que vivem têm projetos nacionais não religiosos.
ZENIT: Frente a esta situação tão complexa e crítica, que fez o Sínodo dos Bispos e o que pretende fazer?
Samir Khalil: Nós, cristãos do Oriente, vivemos no meio deste fenômeno em curso, onde o Islã ganha terreno dia após dia, até o ponto de que na Liga Árabe o primeiro tema é sempre este: como enfrentar o islamismo. E o Sínodo dedicou particular atenção à relação com o Islã. As sessões sinodais se perguntam sobre por que as pessoas deixam sua própria terra. No mundo árabe, não há perseguição contra os cristãos, mas há discriminação. Os cristãos não são tratados da mesma foram que os muçulmanos. Estes são cidadãos normais destinatários das leis. Os demais, constitucionalmente são cidadãos, mas concretamente as leis – já que estão feitas a partir do sistema muçulmano – deixam aos cristãos uma condição de desvantagem. Além disso, a liberdade de consciência é inexistente, existe só a tolerância, que consiste em suportar que o cristianismo permaneça na terra islâmica, mas com muitas limitações. Por outro lado, não é possível deixar o Islã por outra religião. Essas questões estiveram no centro da atenção dos padres sinodais.
ZENIT: Há um caminho de saída?
Samir Khalil: Só há um, apontar para certos conceitos compartilhados, como o de “cidadania” ou o de “pertença árabe”, ambos reconhecidos por grande parte dos muçulmanos. Os movimentos que promoveram estes valores no início do século XX tiveram tanto êxito porque levavam consigo um sopro de novidade que convidava a sair da visão tribal. Mas ultimamente esta visão tem sido entrincheirada e substituída pelo conceito de Umma (a nação) islâmica. Durante a presidência de Nasser, até a metade dos anos 70, o conceito era a Umma al-Arabiyya [a nação árabe], mas da metade dos anos 70 em diante prevaleceu o conceito da Umma al-Islamiyya [a nação islâmica], que não deixa espaço para os não muçulmanos. A solução é tentar propor, muçulmanos e cristãos, um conceito moderno de Estado, não só no âmbito político, mas também no cultural.
ZENIT: Como fazer para que essa proposta seja factível?
Samir Khalil: Precisamente aqui entra a proposta do Sínodo para o Oriente Médio: não se trata de fazer um projeto cristão, e muito menos um projeto dos cristãos ou para os cristãos, porque assim refletimos como se fôssemos uma minoria que tenta se proteger. Nós não tentamos nos proteger. O que dizemos reflete a palavra também de muitos muçulmanos, que reconhecem como nós que a nação árabe está mal porque sofre de uma falência no exercício da democracia, na distribuição das riquezas, no estabelecimento da justiça social e de um Estado de direito, na reforma do sistema de saúde.
O Islã é muito sensível a essas dimensões. A liberdade de consciência e de expressão é desejada por muitos. Isso não porque as pessoas querem se afastar do Islã, mas porque querem viver o Islã de modo mais pessoal. No mundo islâmico, há um sentido de modernidade e de liberdade que não se atreve a se manifestar. Um cristão pode escrever criticando seu patriarca ou bispo, enquanto que é difícil que um muçulmano o faça. Não porque alguém em particular o proíba, mas porque a própria cultura impede. Os imames são os ulemás [os doutos] e seu saber não se discute. Reafirmo que com essas propostas não se trata de fazer os muçulmanos menos muçulmanos ou os cristãos menos cristãos, mas dizer que a fé é uma questão pessoal, ainda que tenha sua dimensão social, e que cada um deve viver a própria fé como lhe vem inspirada por Deus.
Blog De Olho na Jihad - agradecemos ao Filósofo Ivanaldo Santos pelo envio da notícia.
IV reunião do Conselho Especial do Sínodo para o Oriente Médio
CIDADE DO VATICANO, sexta-feira, 27 de maio de 2011 (ZENIT.org) – Nos dias 17 e 18 de maio foi realizada, na Secretaria Geral do Sínodo dos Bispos, a IV reunião do Conselho Especial para o Oriente Médio.Durante os trabalhos, presididos por Dom Nikola Eterović, secretário-geral do Sínodo dos Bispos, “ressurgiram os motivos de esperança e de preocupação com relação às populações do Oriente Médio, inclusive os cristãos”, recorda um comunicado da Sala de Imprensa da Santa Sé, divulgado hoje.
Neste contexto, destacaram-se “as graves responsabilidades dos políticos locais e internacionais, que deveriam garantir os mesmos direitos a todos os cidadãos de diversa pertença étnica, religiosa ou cultural”.
“A convivência das religiões – destacaram os membros do Conselho – é essencial para o desenvolvimento do conhecimento recíproco e da tolerância” e para “promover relações pacíficas e frutíferas na colaboração pelo bem comum”.
“São cada vez mais exigentes as petições de diálogo ecumênico e inter-religioso, que estimulam a busca da comunhão e de testemunho por parte dos discípulos do Senhor, com o objetivo de viver a fé na caridade e na esperança de tempos melhores, que é necessário construir com paciência, perseverança e amor”, prossegue a nota vaticana.
Dedicou-se uma especial atenção à elaboração de uma síntese dos documentos sinodais, especialmente das Proposições, para “preparar um quadro mais completo possível do trabalho sinodal, em vista da redação da exortação apostólica pós-sinodal, que, como para as demais assembleias especiais, o Santo Padre publicará em seu momento”.
Em sua intervenção inicial, Dom Eterović recordou que, “para aqueles povos que estão sofrendo uma hora de paixão, o Santo Padre invocou a luz do Senhor Ressuscitado, solicitando também a solidariedade de todos, bem como o diálogo, as negociações e mais oportunas mediações diplomáticas, para alcançar a paz na justiça para todos”, recorda o comunicado vaticano.
A reunião terminou confiando à maternal proteção de Nossa Senhora o destino dos povos do Oriente Médio. Um novo encontro, de um grupo restrito de redatores, foi convocado para os dias 6 e 7 de julho.
Blog De Olho na Jihad - agradecemos ao Filósofo Ivanaldo Santos pelo envio da notícia.
87 cristãos iraquianos mortos em 2010, segundo Assyria Council of Europe
KIRKUK, quinta-feira, 26 de maio de 2011 (ZENIT.org) - Uma patrulha da polícia iraquiana encontrou na segunda-feira, 16 de maio, em Kirkuk, o corpo de um jovem cristão, Ashour Issa Yaqub (escrito também Jacó), de 29 anos, casado e com 3 filhos. O corpo estava terrivelmente desfigurado.Segundo declarou à Agence France-Presse (16 de maio) o chefe de polícia da província de Kirkuk, o major-general Jamal Taher Bakr, os assassinos cortaram quase completamente a cabeça da vítima. O chefe do departamento de Saúde da província, Sadiq Omar Rasul, confirmou o fato desagradável, acrescentando que o corpo de Yacub apresentava "sinais de tortura e mordidas de cães".
Outros detalhes foram fornecidos pela Assyrian International News Agency (16 de maio). Yacub teve os olhos arrancados de suas órbitas e suas orelhas cortadas. Como se não bastasse, a pobre vítima foi encontrada com o rosto sem pele.
Yacub, que trabalhava para uma empresa de construção, foi sequestrado três dias antes, ou seja, no sábado, 14 de maio, ainda em Kirkuk, capital da homônima província de petróleo localizada em território curdo, cerca de 250 km ao norte de Bagdá.
Os sequestradores, que segundo a polícia pertencem a uma célula da rede terrorista Al Qaeda, haviam pedido à família da vítima um resgate de 100 mil dólares, mas, segundo uma fonte de AsiaNews (16 de maio), as negociações "não chegaram a bom término”. Na verdade, 100 mil dólares é um valor muito elevado para um país onde, segundo a AFP, o salário médio diário de um trabalhador de construção equivale a 21 dólares.
Conforme um pastor evangélico relatou a Compass Direct News (18 de maio), antes do sequestro, uns desconhecidos se aproximaram do dono da empresa de Yacub, intimando-o a demitir o trabalhador, “porque ele era um cristão, mas ele recusou".
Sendo um empresário rico, mas inalcançável - disse o pastor, que, por motivos de segurança, pediu para permanecer anônimo -, sequestraram e infelizmente também assassinaram Yacub.
O homicídio, considerado "bestial" e "um crime hediondo contra a nação, a religião e a humanidade" pelo secretário-geral da União dos estudantes e jovens assírio-caldeus, Kaldo Oghanna, afetou profundamente a comunidade cristã. "É uma situação muito grave, e todos os jovens se sentem sem esperança", disse o líder cristão a Compass.
Também foi dura a condenação por parte do arcebispo caldeu de Kirkuk, Dom Louis Sako. "Nenhum homem que crê em Deus e tem um respeito pela vida pode cometer tais atos", disse ele em uma primeira reação, falando de um "ato desumano" (AsiaNews).
O arcebispo também está convencido de que o trabalhador foi sequestrado por dinheiro. "Ele foi sequestrado por dinheiro. Isso acontece, mas geralmente os sequestradores não torturam nem matam dessa forma", explicou o arcebispo Sako em uma conversa telefônica com o Compass Direct News.
"É como se fossem animais - continuou ele. Mataram-no imediatamente para assustar as pessoas de Kirkuk e enviar a mensagem de que, se eles são sequestrados, têm de pagar."
No entanto, para o deputado cristão Imad Yohanna, também de Kirkuk, Yacub foi sequestrado por causa de sua participação na comunidade cristã.
Segundo Yohanna - relata a Associated Press (14 de maio) -, os cristãos são alvos "fáceis" porque eles costumam pagar o resgate sem oposição, ao contrário dos grupos árabes, que não hesitam em recorrer às armas para libertar as pessoas.
Embora o arcebispo Sako duvide de que seja um gesto anticristão, teme que o brutal assassinato desse pai de família leve muitos cristãos a abandonar a cidade.
"Em Kirkuk, poucas famílias haviam deixado a cidade, mas isso é um choque. Acho que depois disso irão embora, porque isto é muito grave", disse o arcebispo a Compass.
O que aconteceu, portanto, corre o risco de alimentar o fluxo migratório do Iraque de cristãos ou "assírios", como também são chamados. Um novo relatório (1) elaborado pelo Assyria Council of Europe (ACE) - um organismo independente que visa a aumentar a sensibilidade dentro da União Europeia com relação à situação dos cristãos iraquianos – confirma, de fato, o declínio dramático do número de cristãos no país.
Entre 2004 e 2010, mais de 60% da comunidade assíria já deixou o Iraque por causa do clima de terror e os contínuos ataques contra alvos cristãos. Com uma população estimada de cerca de 2 milhões, os assírios - também conhecidos como caldeus e sírios – constituíam, em 2004 (ou seja, o primeiro ano após a queda de Saddam Hussein), ainda o terceiro maior grupo no Iraque. Hoje, reafirma o relatório, esse número varia entre 400-600 mil.
Segundo dados do Alto Comissariado da ONU para os Refugiados (ACNUR ou UNHCR), 13% de todos os refugiados iraquianos registrados na Síria, Jordânia, Líbano, Turquia e Egito são cristãos. Por sua vez, a agência AINA estima que até 40% dos refugiados iraquianos na Síria e na Jordânia são de origem assíria. Além disso, os deslocados internos no Iraque são cerca de 2,8 milhões, dos quais 5% são cristãos.
O relatório revela também que (pelo menos) 87 assírios foram mortos no período de janeiro a dezembro do ano passado, uma dado que transforma 2010 no ano mais sangrento depois de 2004 (115 vítimas). Embora o maior número de incidentes tenha ocorrido na terceira cidade do Iraque, Mossul, a cidade com o maior número de cristãos mortos é a capital, Bagdá, por causa do ataque terrorista do último 31 de outubro, contra a catedral sírio-católica de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro.
O clima de insegurança e o extremismo atingem particularmente as mulheres e crianças pertencentes a minorias diversas, que, de acordo com Minority Groups International,representam "o setor mais vulnerável da sociedade iraquiana". Não usar o véu islâmico (hijab) ou vestir-se como os ocidentais significa problema para as mulheres.
Como indica o relatório do Assyria Council of Europe, nem sequer em campos de refugiados as mulheres e os jovens cristãos estão seguros: estão muito expostos ao tráfico de seres humanos e à exploração sexual ou prostituição forçada.
"Hoje a situação no Iraque é complexa - disse Oghanna (Compass Direct News). Temos medo - continuou o secretário-geral do Chaldo-Assyrian Student and Youth Union - de que os próximos dias sejam duros para nós, cristãos."
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1) http://www.aina.org/reports/acehrr2010.pdf
(Paul De Maeyer)
Agradecemos ao Filósofo Ivanaldo Santos por ter enviado a notícia.