sexta-feira, 10 de junho de 2011

Argélia: 5 anos de prisão por causa de um CD

Governo de Bejaia fecha todos os lugares de culto protestante da província

Por Paul de Maeyer

ROMA, sexta-feira, 10 de junho de 2011 (ZENIT.org). ”Ele deu um CD para um vizinho e vai sofrer cinco anos de cadeia”. Com estas poucas palavras, o pastor Mustapha Krim, presidente da Igreja Protestante da Argélia (EPA, na sigla em francês), resumiu para a Compass Direct News (30 de maio) a condenação do cristão evangélico Siaghi Krimo.

O tribunal do distrito ou cité de Djamel, em Oran, cidade portuária a 470 quilômetros a oeste da capital Argel, condenou o cristão a uma pena de cinco anos de cadeia e multa de 200.000 dinares (quase 2.760 dólares) por ter “ofendido” o Profeta. Krimo, casado e pai de uma menina de 9 meses, teve dez dias para apelar. A condenação foi sentenciada no último 25 de maio.

O homem foi preso com outro cristão, Sofiane, pelos serviços de segurança da Argélia, em 14 de abril. Solto depois de três dias, Krimo foi levado ao tribunal em 4 de maio. Quem acusou o cristão de proselitismo e blasfêmia contra o profeta Maomé foi seu vizinho muçulmano, a quem Krimo dera um CD e com quem discutira sobre a fé cristã.

Chama a atenção que todo o processo contra Krimo se desenrolou em ausência da única testemunha da suposta blasfêmia: o próprio vizinho muçulmano. Também faltou qualquer tipo de provas materiais. Este “detalhe” não impediu o juiz de ir além da pena exigida pelo representante da fiscalização. A pena preventiva proposta era de dois anos, com multa de 50.000 dinares, mas o juiz infligiu ao réu o castigo máximo previsto no Código Penal da Argélia pela violação do artigo 144.

Esse artigo, que poderia ser definido como a versão argelina da infame lei paquistanesa da blasfêmia, prevê condenações preventivas de até cinco anos de prisão para quem ofender o Profeta ou “os mensageiros de Deus”, e também para quem “denegrir os dogmas e preceitos do islã através de textos escritos, desenhos, declarações ou qualquer outro meio” (Compass).

A rigidez da condenação deixou a comunidade cristã da região boquiaberta. “Se eles começarem a aplicar a lei desse jeito, significa que não existe respeito pelo cristianismo”, declarou o diretor da EPA, Mustapha Krim, que teme o pior. “Muitos cristãos da Argélia vão parar na cadeia”, disse a Compass. “Se o simples fato de dar um CD para o vizinho vai custar cinco anos de cadeia, então é uma catástrofe”.

O advogado de Krimo, Mohamed Ben Belkacem, afirmou que a sentença foi inesperadamente dura, refletindo o preconceito do poder para com os cristãos. “Não esperávamos uma sentença dessas”, confessou a Compass. “O juiz castigou os cristãos, não só o acusado. Não havia provas, mas o tribunal não aceitou as circunstâncias atenuantes”, continuou o advogado, que lembrou que Krimo tinha “boas relações” com os vizinhos e que se proclamou inocente. “Meu cliente negou ter insultado o Profeta e não há nenhuma prova material que fundamente essa acusação”, destacou Ben Belkacem.

Existem especulações de que o tribunal tenha sido pressionado a condenar o cristão a uma pena exemplar. “O juiz teria eximido Krimo de todas as acusações, em circunstâncias normais, mas acho que recebeu ordens superiores para ser tão duro”, declarou um representante da EPA, citado pela organização International Christian Concern (28 de maio).

Para analistas, a sentença reflete uma nova postura do governo do presidente Abdelaziz Bouteflika (no poder desde 1999) contra as igrejas evangélicas. Simbólica para o clima instalado no país é a decisão do governador ou wali da província de Bejaia (ou Bugia), Ahmed Hammou Touhami, de ordenar o fechamento definitivo dos sete lugares de culto protestantes dessa província nordestina, dois dos quais na cidade de Cabilia.

Em declaração enviada à EPA em 22 de maio, o governador explicou sua decisão escrevendo que todas as igrejas da província eram ilegais por não estarem registradas pela autoridade, como obriga a lei nº 06-03 (ou 06-02 bis), conhecida como a Ordenança 06-03.

“Não somos contra o exercício de cultos diferentes do islã. Só convidamos as comunidades religiosas não muçulmanas a respeitar a lei”, defendeu-se o governador. “Pedimos que obedeçam à lei. Alguns fazem seus cultos em garagens” (Watan, 25 de maio).

Muito diferente é a versão proporcionada pela igreja protestante local. Segundo Mustapha Krim, “todas as medidas necessárias foram tomadas junto à Comissão Nacional dos Cultos e ao Ministério do Interior depois da promulgação da lei 06-03, para a regularização da nossa situação”. Ações que se mostraram inúteis, por causa de um “bloqueio” ministerial.

A norma, criada em 2006, é polêmica. Segundo estudiosos, ela gerou “uma zona cega em que o governo e a polícia têm margem para agir contra a igreja. Essa lei permite que o governo condene os crentes por sua fé ou por culto ilegal, mesmo com a constituição garantindo a liberdade religiosa” (Compass, 5 de outubro de 2010). Igualmente contundente é a opinião de Mustapha Krim, que confirma o uso instrumentalizado e até “inquisidor” da lei contra os cristãos (Watan, 25 de maio).

Para o advogado Ben Belkacem, “os cristãos vivem uma situação muito difícil na Argélia”. “São tolerados por motivos de política exterior, mas na realidade não têm nenhuma liberdade de culto, já que nenhuma associação é reconhecida, apesar dos muitos esforços”(Compass, 25 de maio).

Tampouco Watan tem dúvidas. “A intolerância oficial continua fazendo estragos” na Argélia, um país onde “ter o Evangelho ou bíblias converteu-se em crime com pena de cárcere”. O jornal acusa as autoridades de fazer o mesmo jogo dos integralistas e fundamentalistas, em particular da Frente Islâmica de Salvação (FIS).

Como recorda Compass, a Argélia conta hoje com mais de 99.000 cristãos, que representam menos de 0,3% da população, composta por 35,4 milhões de habitantes.


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