Bernard Henri Levy
Porque tanta comoção em torno do soldado Shalit? Por acaso todos os conflitos armados não produzem prisioneiros de guerra, e Gilad Shalit, o jovem cabo israelense sequestrado de um tanque em junho de 2006, não é apenas um prisioneiro como os outros? Bem, na verdade, não. Em primeiro lugar, há convenções internacionais que governam a situação dos prisioneiros de guerra, e o mero fato de que ele tenha sido sequestrado durante quatro anos, e que a Cruz Vermelha, que visita regularmente os palestinos em prisões israelenses, nunca tenha tido acesso a ele, é uma violação flagrante das leis de guerra.
Além disso, e mais do que tudo, nunca nos cansaremos de repetir: Shalit não foi capturado no auge do combate, mas sim durante uma incursão em Israel, quando o país, depois de ter evacuado Gaza, estava declaradamente em paz com seu vizinho. Chamá-lo de prisioneiro de guerra, em outras palavras, é o equivalente a afirmar que se Israel ocupa ou não um território nada muda em termos do ódio que alguém acredita que o país merece. Significa aceitar a ideia de que Israel está em guerra até mesmo quando está em paz, ou que devemos fazer a guerra contra Israel simplesmente porque Israel é Israel.
Se recusarmos esta lógica que é, de fato, a do Hamas e – se as palavras significam alguma coisa – a lógica da guerra total, devemos começar a mudar totalmente a retórica e o léxico. Shalit não é um prisioneiro de guerra, mas um refém. Seu destino não é comparável ao de um prisioneiro palestino, mas sim ao de uma vítima de sequestro pela qual se pede resgate. E deve ser defendido como defendemos os reféns das Farc ou dos sírios ou iranianos – devemos defendê-lo com a mesma energia dedicada à defesa de, digamos, Clotilde Reiss ou Ingrid Betancourt.
Refém ou prisioneiro, não importa – porque tanto escândalo por causa de um homem? Por que este enfoque num indivíduo de nenhuma importância para a comunidade? Um homem “feito de todos os homens e tão bom como todos eles e não melhor do que nenhum” (Jean-Paulo Sartre)?
Bem, é porque Shalit não é exatamente qualquer um, e ele está passando pelo pior que pode passar, em tempos de tensão extrema na história, os indivíduos que não estão dispostos de nenhuma forma a tomar parte disso, mas que subitamente acabam cativos desta tensão – aqueles que atraem o relâmpago, os pontos de impacto das forças que, numa situação dada, convergem e se chocam. Os dissidentes da era do comunismo foram exemplos disso, assim como os perseguidos na China ou em Mianmar hoje em dia.
Isso ocorre com Gilad Shalit. É assim como este homem, cujo rosto ainda é o de uma criança, encarna muito involuntariamente a violência interminável do Hamas; a ânsia irracional de seus partidários por exterminar; o cinismo dos “humanitários” que, como os da frota Libertem Gaza, recusaram levar uma carta a Shalit de sua família; ou, uma vez mais, o duplo padrão pelo qual não ele não é beneficiado pela abundância de simpatia que Betancourt recebeu.
Um franco-israelense vale menos do que uma franco-colombiana? O nome de Israel é suficiente para degradar Shalit?
Por que não colocaram seu retrato ao lado da heróica colombiana na fachada do Hotel de Ville de Paris? E como é possível explicar por que sua foto, finalmente colocada no pequeno parque de 12 Arrondissement de Paris, tenha sido alvo de vândalos com tanta frequência, e com tal impunidade? Shalit o símbolo. Shalit o espelho.
Uma última pergunta: qual é o preço que os israelenses estão dispostos a pagar pela libertação deste cativo, e também a pergunta relacionada às centenas – alguns mencionam milhares – de assassinos potenciais que então serão libertados em troca. Esta não é a primeira vez que esse problema acontece. Em 1983, Israel libertou 4.700 combatentes no campo Ansar do Líbano em troca de seis de seus soldados.
Em 1985, Israel libertou 1.150 combatentes (incluindo o futuro fundador do Hamas, Ahmed Yassin) em troca do retorno de três israelenses. E isso sem mencionar os corpos, só os corpos, de Eldad Regev e Ehud Goldwasser, mortos no início da última guerra no Líbano, e trocados, em 2000, por vários líderes do Hezbollah, alguns dos quais sentenciados por crimes graves.
A ideia é simples, e o crédito corresponde a Israel. Contra a crueldade, antes de mais nada, das famosas razões de Estado, contra as obras dos frios monstros e sua terrível preguiça; e na oposição à intransigência glacial que o escritor italiano Leonardo Sciascia não temeu condenar, a raiz do sequestro do ex-primeiro-ministro Aldo Moro pelas Brigadas Vermelhas, a forma como Moro foi abandonado por seus “amigos”, qualificando-o como outro rosto do terrorismo, este imperativo categórico e irrefutável: entre o indivíduo e o Estado, escolhe-se sempre o indivíduo. Entre o sofrimento de um homem e a agitação da sociedade em geral, o que está só deve prevalecer.
Um homem pode não valer nada, mas nada – principalmente o orgulho arrogante de sua nação – vale o sacrifício de um homem. E então, contra um pseudo “sentido do trágico” que serve como um álibi para tantos casos de covardia. E contra os dialéticos da quinquilharia que repetem ad infinitum os efeitos perversos possíveis que uma ação (digamos, o possível resgate de um Daniel Pearl) pode provocar num futuro distante, quando estamos enfrentando uma situação da qual nada sabemos, é necessário retornar a este princípio de incerteza que está no coração da própria sabedoria judaica, admiravelmente resumido em Eclesiastes: não te inquietes pelo que está além de suas obras; em sua ignorância do domínio dos finais, dos propósitos e de seus enganos, simplesmente salvem Gilad Shalit.
Bernard-Henri Lévy
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Porque tanta comoção em torno do soldado Shalit? Por acaso todos os conflitos armados não produzem prisioneiros de guerra, e Gilad Shalit, o jovem cabo israelense sequestrado de um tanque em junho de 2006, não é apenas um prisioneiro como os outros? Bem, na verdade, não. Em primeiro lugar, há convenções internacionais que governam a situação dos prisioneiros de guerra, e o mero fato de que ele tenha sido sequestrado durante quatro anos, e que a Cruz Vermelha, que visita regularmente os palestinos em prisões israelenses, nunca tenha tido acesso a ele, é uma violação flagrante das leis de guerra.
Além disso, e mais do que tudo, nunca nos cansaremos de repetir: Shalit não foi capturado no auge do combate, mas sim durante uma incursão em Israel, quando o país, depois de ter evacuado Gaza, estava declaradamente em paz com seu vizinho. Chamá-lo de prisioneiro de guerra, em outras palavras, é o equivalente a afirmar que se Israel ocupa ou não um território nada muda em termos do ódio que alguém acredita que o país merece. Significa aceitar a ideia de que Israel está em guerra até mesmo quando está em paz, ou que devemos fazer a guerra contra Israel simplesmente porque Israel é Israel.
Se recusarmos esta lógica que é, de fato, a do Hamas e – se as palavras significam alguma coisa – a lógica da guerra total, devemos começar a mudar totalmente a retórica e o léxico. Shalit não é um prisioneiro de guerra, mas um refém. Seu destino não é comparável ao de um prisioneiro palestino, mas sim ao de uma vítima de sequestro pela qual se pede resgate. E deve ser defendido como defendemos os reféns das Farc ou dos sírios ou iranianos – devemos defendê-lo com a mesma energia dedicada à defesa de, digamos, Clotilde Reiss ou Ingrid Betancourt.
Refém ou prisioneiro, não importa – porque tanto escândalo por causa de um homem? Por que este enfoque num indivíduo de nenhuma importância para a comunidade? Um homem “feito de todos os homens e tão bom como todos eles e não melhor do que nenhum” (Jean-Paulo Sartre)?
Bem, é porque Shalit não é exatamente qualquer um, e ele está passando pelo pior que pode passar, em tempos de tensão extrema na história, os indivíduos que não estão dispostos de nenhuma forma a tomar parte disso, mas que subitamente acabam cativos desta tensão – aqueles que atraem o relâmpago, os pontos de impacto das forças que, numa situação dada, convergem e se chocam. Os dissidentes da era do comunismo foram exemplos disso, assim como os perseguidos na China ou em Mianmar hoje em dia.
Isso ocorre com Gilad Shalit. É assim como este homem, cujo rosto ainda é o de uma criança, encarna muito involuntariamente a violência interminável do Hamas; a ânsia irracional de seus partidários por exterminar; o cinismo dos “humanitários” que, como os da frota Libertem Gaza, recusaram levar uma carta a Shalit de sua família; ou, uma vez mais, o duplo padrão pelo qual não ele não é beneficiado pela abundância de simpatia que Betancourt recebeu.
Um franco-israelense vale menos do que uma franco-colombiana? O nome de Israel é suficiente para degradar Shalit?
Por que não colocaram seu retrato ao lado da heróica colombiana na fachada do Hotel de Ville de Paris? E como é possível explicar por que sua foto, finalmente colocada no pequeno parque de 12 Arrondissement de Paris, tenha sido alvo de vândalos com tanta frequência, e com tal impunidade? Shalit o símbolo. Shalit o espelho.
Uma última pergunta: qual é o preço que os israelenses estão dispostos a pagar pela libertação deste cativo, e também a pergunta relacionada às centenas – alguns mencionam milhares – de assassinos potenciais que então serão libertados em troca. Esta não é a primeira vez que esse problema acontece. Em 1983, Israel libertou 4.700 combatentes no campo Ansar do Líbano em troca de seis de seus soldados.
Em 1985, Israel libertou 1.150 combatentes (incluindo o futuro fundador do Hamas, Ahmed Yassin) em troca do retorno de três israelenses. E isso sem mencionar os corpos, só os corpos, de Eldad Regev e Ehud Goldwasser, mortos no início da última guerra no Líbano, e trocados, em 2000, por vários líderes do Hezbollah, alguns dos quais sentenciados por crimes graves.
A ideia é simples, e o crédito corresponde a Israel. Contra a crueldade, antes de mais nada, das famosas razões de Estado, contra as obras dos frios monstros e sua terrível preguiça; e na oposição à intransigência glacial que o escritor italiano Leonardo Sciascia não temeu condenar, a raiz do sequestro do ex-primeiro-ministro Aldo Moro pelas Brigadas Vermelhas, a forma como Moro foi abandonado por seus “amigos”, qualificando-o como outro rosto do terrorismo, este imperativo categórico e irrefutável: entre o indivíduo e o Estado, escolhe-se sempre o indivíduo. Entre o sofrimento de um homem e a agitação da sociedade em geral, o que está só deve prevalecer.
Um homem pode não valer nada, mas nada – principalmente o orgulho arrogante de sua nação – vale o sacrifício de um homem. E então, contra um pseudo “sentido do trágico” que serve como um álibi para tantos casos de covardia. E contra os dialéticos da quinquilharia que repetem ad infinitum os efeitos perversos possíveis que uma ação (digamos, o possível resgate de um Daniel Pearl) pode provocar num futuro distante, quando estamos enfrentando uma situação da qual nada sabemos, é necessário retornar a este princípio de incerteza que está no coração da própria sabedoria judaica, admiravelmente resumido em Eclesiastes: não te inquietes pelo que está além de suas obras; em sua ignorância do domínio dos finais, dos propósitos e de seus enganos, simplesmente salvem Gilad Shalit.
Bernard-Henri Lévy
Bernard-Henri Lévy é filósofo e jornalista. Considerado um dos principais escritores franceses da atualidade, é autor de obras como "Quem Matou Daniel Pearl?" e "American Vertigo".
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