terça-feira, 31 de agosto de 2010

O que há por trás da morte do francês Michel Germaneau, refém da Al-Qaeda do Magreb Islâmico

Por Jefferson Nóbrega

O que abordo agora seria um perfeito roteiro de filme. Devo alertar que o que tentarei expor é baseado em fatos exposto na mídia, mas também em informações de autenticidade duvidosas, tendo em vista que o fato envolve de um lado a Al-Qaeda e dou outro os Serviços Secretos da Argélia e EUA, assim como as agências de segurança da França, Mali, Niger e Mauritânia.

Quem é Michel Germaneau?

Michel Germaneau, um engenheiro francês aposentado de 78 anos, foi sequestrado em abril por supostos militantes da Al-Qaeda no Níger, país no norte da África. Em julho, em uma mensagem de áudio exibida na emissora Al-Jazira, Abdelmalek Droukdel líder da AQMI (Al-Qaeda do Magreb Islâmico) informou a execução do engenheiro em retaliação a um ataque do governo da Mauritânia contra o grupo. No ataque, no qual as tropas da Mauritânia foram auxiliadas pela França, foram mortos seis militantes da Al-Qaeda.

Porque a França escolheu a Mauritânia e não a Argélia na ação para libertar Germaneau?

A Argélia é a maior força militar Regional, no entanto, a França escolheu a Mauritânia como principal parceira na ação. A França foi à antiga potência na região, não gozando de popularidade. Em contra partida a Argélia ampliou como nunca sua parceria com os EUA.

Os EUA estabeleceram três principais pólos militares na África – Argélia, Nigéria e África do Sul.

Desde 2003 a Argélia emergiu como principal força militar, e embora à desestabilização da região tenha levado o país a uma “aliança” com os governos Francês e Americano contra a AQMI, a Argélia é contra qualquer tipo de intervenção estrangeira, afirmando que os problemas devem ser resolvidos pelos países da região, a operação franco-mauritana para libertar Germaneau serviu para aumentar ainda mais essa visão. E por isso o país surgiu como a grande potência regional.

O país passou então a desempenhar um papel de aliado dos EUA indispensável na guerra global contra o Terror. Este papel é também de acordo com a própria Argélia extremamente necessário para seus interesses hegemônicos sobre o Sahel, especialmente Mali, onde Muammar Kadhafi, o líder líbio, tem utilizado financiamentos e investimentos para expandir a presença da Líbia e aumentar influência no país. Na verdade, era para incriminar a Líbia, e expulsa-la da região de Kidal, que o DRS (Serviços de Inteligência Argelino), apoiados por forças especiais dos EUA, incentivou e deu apoio velado à curta rebelião tuaregue em maio 2006.

A fim de desempenhar esse papel ambicioso, que a Argélia busca o “controle” de todo o Sahel, enquanto a França a ex-potência regional, refere-se a região como se ainda tivesse o mesmo poder.

E após a desastrosa operação no Mali, a França conseguiu cair ainda mais em descrédito e o DRS ganhou um momento raro de apoio e de popularidade.

Mas, por que a escolha francesa da Mauritânia, em detrimento de outros países do Sahel, como sua parceira na operação de 22 de julho?

O Níger tem um governo militar novo que está tentando por ordem no país que encontra-se desestabilizado, e não tem simpatia pelo papel que a Argélia tem desempenhado no Sahel contra a AQMI e com as suspeitas de a DRS ter ajudado a organização em algumas situações.

Quanto ao Mali, os serviços de inteligência francesa sabem muito bem que tanto a AQMI, quanto a DRS infiltraram-se nos mais altos escalões das forças de segurança do país, o que tornava a operação insegura. Lamana Ould Bou um agente duplo do serviço de inteligência do Mali, morto a tiros em Timbuktu no ano passado já havia declarado: “O coração da AQMI é o DRS”.

Além disso, as tropas do Mali estão "assustadas" com a perspectiva de se envolver com AQMI, em grande parte por causa da aquisição de armamentos e a utilização eficaz dos equipamentos de visão noturna. Como eles adquiriram o equipamento de visão noturna é outro assunto.

A Mauritânia foi, portanto, visto como uma aposta muito mais segura, especialmente porque seu presidente, Mohamed Ould Abdel Aziz, se vê como um 'homem forte' na guerra contra o terrorismo “e está fazendo todo o possível, à luz de seu recente golpe de estado, para agradar a si mesmo, o seu país, assim como os EUA e os países da UE”.

Outras potências ocidentais envolveram-se na operação?

França e Mauritânia são inflexíveis em afirmar que nenhum outro país estava envolvido no ataque. A Argélia e o Mali informaram que não fizeram mais que observar, enquanto Daniel Benjamin, o embaixador-geral de combate ao terrorismo, negou que quaisquer tropas dos EUA envolveram-se no episódio.

Mas, é claro que atualmente a ajuda dos EUA raramente vem na forma de tropas - a vigilância por satélite e os “zangões” (aviões não-tripulado) são mais eficazes.

No entanto, no dia após o ataque, El Pais, citando fontes diplomáticas, confirmou que a base onde estaria Germaneau havia sido localizada com a ajuda dos EUA.

Embora a contribuição UE não parece estar em dúvida, um ponto de interrogação paira sobre o papel do Reino Unido neste caso.

A delegação britânica foi à Mauritânia, ostensivamente para discutir a cooperação bilateral na luta contra o terrorismo e liderado pelo general Robin Searby, o chefe do Reino Unido contra o terrorismo na África do Norte, foi em Nouakchott, nos dias 20-21 julho, 24 horas antes da ação. É concebível que essa delegação teria ido a Nouakchott se não fosse cúmplice, de uma forma ou de outra, na operação?

Pierre Camatte x Michel Germaneau

É interessante notar que parece ter havido um maior empenho na liberação de Pierre Camatte do que no caso Germeau. Pierre Camatte foi seqüestrado em 25 de novembro de 2009, no nordeste do Mali pela Al-Qaeda do Magreb Islâmico.

O fato é que nas negociações para liberdade de Camatte o Mali havia informado que não liberariam nenhum prisioneiro em troca dos reféns da AQMI.

A AQMI tentou por diversas vezes negociar a liberdade de Camatte, no entanto, o Mali mostrava-se irredutível. Até que os terroristas deram um ultimato, prometeram executa-lo em 20 de fevereiro. E perto do fim do prazo o Ministro Francês Bernard Kouchner tentou novamente buscar negociações, mas o Mali insistiu que não tinha intenção de liberta nenhum preso por reféns.

Até que as 6h30 de quinta-feira, 18 fevereiro - apenas 48 horas antes da execução de Cammate, o tribunal decidiu que libertaria quatro prisioneiros da AQMI. O tribunal considerou os homens culpados de crimes de armas e os condenou a nove meses. Mas como eles já haviam sido detidos durante esse período de tempo, os mesmos foram sumariamente liberados.

O que teria levado o Mali a mudar de idéia no último minuto? Ou tudo teria sido um suspense teatral?

E nesse momento entra algumas suspeitas...

Na época da negociação sobre Camatte correu por entre a internet boatos de que este era na verdade um espião francês, tal informação foi amplamente divulgada nos meios de comunicação argelinos. No entanto, uma das fontes de tal informação não é bastante confiável, o site bakchich.info

O que teria ocorrido por trás da libertação de Camatte?

Segundo Jeremy Keenan, uma de suas fontes teria revelado que o motivo da mudança repentina do Mali quanto à negociação, foi uma carta enviada ao general Mohamed Mediène, o chefe da DRS, na manhã de quarta-feira 17 de fevereiro, também com cópias enviadas para o ministro francês Kouchner, o presidente argelino Abdelaziz Bouteflika, e o primeiro-ministro. Argelino Ahmed Ouyahia. Copias da carta teria sido enviada para a mídia de vários países, e estas deveriam ser publicadas caso Camatte fosse executado. A carta deixou claro que caso Camatte morresse, a mídia deveria publicar, para que todos soubessem das relações da DRS com a AQMI e da participação dos mesmos na morte de Camatte.

Seria Cammate verdadeiramente um espião a serviço da França na Argélia? Qual seria a participação da DRS (Agência de Inteligência Argelina) na prisão de Camatte? Teria a DRS descoberto os serviços de espionagem de Pierre e o entregado a Al-Qaeda? Ou estaria a DRS influenciando diretamente o Mali na negação de libertar prisioneiros nas negociações?

Infelizmente são perguntas com difíceis respostas, especulações e rumores que dificilmente serão comprovados ou negados, afinal tudo que envolve os serviços secretos sempre deixam esse ar de conspiração.

O fato que a ação francesa para libertar Pierre Camatte em comparação com a desastrosa ação para libertar Michel Germaneau deixa em dúvida o empenho francês e suas reais intenções.

E quanto a Agência de Inteligência Argelina (DRS), existe algum fato que comprove sua ligação com a Al Qaeda do Magreb (AQMI)?

Em 2006 a DRS apoiou uma rebelião Tuaregue.

Em 12 de agosto, um Tuaregue conhecido como "Merzouk 'ou' Marzoug" cujo nome próprio é Sidi Mohamed ag Chérif, foi executado pelos seus raptores, que acredita-se serem membros da AQMI, nas montanhas de Tigharghar - uma fortaleza AQMI, no norte do Mali.

A imprensa especulou dois principais motivos que teriam levado a morte de Merzouk. O primeiro seria vingança por sua participação em um ataque contra os salafistas do GSPC - Grupo Salafista pelo Chamado e Combate, grupo este de onde emergiu a Al-Qaeda do Magreb Islâmico. No ataque o braço direito de um dos comandantes da AQMI foi morto. A outra hipótese gira em torno das informações que Merzouk foi encontrado em posse de documentos em uma embaixada ocidental em Bamako, portanto, suspeita-se que ele tenha sido um espião.

O relato mais confiável é o dado pelo jornal local kidal.infowebsite. A partir dos testemunhos, fica evidente que Merzouk levou uma vida perigosa como um rebelde tuaregue, um guia para os serviços alfandegários do Mali (com patente de tenente) e como uma agente de inteligência do estado do Mali. Ele também tem uma longa história de colaboração com o FCO, com o GSPC e AQMI.

No entanto, uma coisa não mencionada é que Merzouk, de acordo com outra fonte local confiável, estava em comunicação regular com a embaixada dos EUA em Bakamo. Assim é possível que ele tenha sido visto pela AQMI, não apenas como um agente de segurança do estado do Mali, mas também como um espião dos “infiéis”.

Entretanto, ainda especula-se que a morte de Merzouk tenha sido encomendada pela DRS, pois ele teria descoberto a cooperação da DRS com a Al-Qaeda (AQMI), e estaria passando tais informações para os americanos. O que seria uma grande ameaça para o serviço secreto argelino. Não podemos esquecer o que foi dito por Lamana Ould Bou um agente duplo do serviço de inteligência do Mali, morto a tiros em Timbuktu no ano passado que declarou: “O coração da AQMI é o DRS”.

Michel Germaneau

Agora imaginem a situação de Germaneau.

Ele foi seqüestrado pela Al-Qaeda no Níger, transferido para uma fortaleza no Mali. Enquanto isso a França prepara-se para uma ação para libertá-lo, no entanto, não pode contar com a Nigéria, pois estes não aceitam intervenção estrangeira e ainda existe a suspeita do envolvimento da DRS com a AQMI. Por outro lado o Níger não tem condições de efetuar a ação. O Mali sofre com infiltração da AQMI e da DRS em suas forças de segurança sobrando para a França apenas à Mauritânia. Mas, a França realiza uma desastrada ação onde Germaneau é morto.

Tudo isso trás a suspeita sob as reais intenções como, por exemplo, se comparado com a negociação por Camatte. E a libertação recente dos dois reféns espanhóis reforça ainda mais as suspeitas.

O que realmente ocorreu por trás das negociações e da ação que terminou na execução de Michel Germaneau?

É algo que talvez nunca saberemos. É a eterna “mão secreta” que envolve os serviços secretos, terroristas e governos, e que deixam sempre um ar de conspiração por onde passam.

O artigo é baseado nos estudos de Jeremy Keenan professor na Escola de Estudos Orientais e Africano, da Universidade de Londres, e autor de The Dark Sahara: a guerra da América contra o terrorismo na África.

Jefferson Nóbrega Blog O Candango Conservador

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