Jamil Chade - O Estado de S.Paulo
O Estado visitou o sul da Somália, nova fronteira da batalha entre a Al-Shabaab e o governo central, financiado por EUA e Europa. As zonas de controle são definidas e redefinidas a cada dia, dependendo do avanço da milícia.
O sinal mais preocupante de que o grupo continua operando aparece no maior campo de refugiados do mundo, em Dadaab, no Quênia. No mês passado, três homens vestidos com burcas entraram no principal mercado local e abriram fogo contra um líder religioso. Informações obtidas pela ONU indicaram que o líder era ameaçado pela Al-Shabaab por se negar a colaborar no recrutamento de jovens para a milícia.
O governo queniano alerta que o campo de refugiados, com 440 mil pessoas, transformou-se no novo palco da batalha entre os extremistas e aliados do governo. ONGs acusam o Quênia de usar a desculpa para fechar sua fronteira para refugiados. Mas, em Dadaab, não é segredo para ninguém que os extremistas estão infiltrados.
Elizabeth Macabo, uma das funcionárias da ONU que trabalha no registro de refugiados, diz ouvir um número cada vez maior de "histórias confusas" de homens que chegam ao local. Sinal de que não seriam exatamente refugiados, mas milícias que se passam por famintos para entrar no acampamento.
Em levantamento, a Anistia Internacional confirmou, há poucos meses, a existência de infiltrados. Em outro estudo, Human Rights Watch também diz que o governo queniano recrutou jovens do acampamento para lutar em milícias, dessa vez contra a Al-Shabaab.
Abdi, um garoto de 11 anos, contou ao Estado que sua mãe o impediu de ir a escolas montadas no campo para ensinar o Alcorão, temendo ser induzido a lutar. "Ela tem medo que eu volte para a Somália", contou Abdi, que nasceu no campo de refugiados.
A inteligência queniana repassou para a ONU, há dois meses, informações de que um possível atentado no campo estaria sendo planejado pelos extremistas. As informações chegaram a identificar até mesmo a maneira pela qual o atentado ocorreria - um burro levaria uma bomba para o meio das barracas.
Outra arma explosiva tem sido a ajuda internacional para o combate à fome. Nos últimos dois anos, o comando da Al-Shabaab negou acesso da ONU e de ONGs à população faminta, alegando que a declaração da crise de fome seria uma forma de a comunidade internacional justificar a intervenção no país.
Segundo a Anistia Internacional, os militantes diziam aos fazendeiros que eles deveriam depender só de Alá, e não da ONU e de "outros infiéis". No caso da ajuda americana contra a fome no Chifre da África, a maior entre os doadores, menos de 25% vai para a Somália por causa da presença de extremistas.
Segundo observadores internacionais, a fome enfraqueceu o apoio aos extremistas. "Os comandantes mais jovens da Al-Shabaab arruinaram a relação com várias camadas da sociedade ao exigir, em plena seca, dois camelos ou um dos filhos da família por cada garoto que se recusa a servir na milícia", disse ao Estado o porta-voz das tropas da União Africana, Paddy Ankunda. Segundo ele, houve um racha no grupo. Uma parte, liderada por Mukta Robo, alega que os militantes deveriam permitir acesso da ONU a cidades afetadas. Já Ahmed Godane, líder da milícia no sul, rejeitou.
A nova realidade abalou a relação da região com a Eritreia. O presidente eritreu Isaias Afewerki é acusado de financiar a Al-Shabaab. Em Uganda, o governo colocou como prioridade a derrota dos extremistas na Somália. Kampala quer uma revanche depois que o grupo extremista matou mais de 70 pessoas em dois atentados na capital ugandense em 2010.
No sul da Somália, onde o Estado esteve, as milícias da Al-Shabaab controlam grande parte da área, com bolsões nas mãos do governo, como a cidade de Dhobley. O extremistas também dominam portos, aeroportos, estradas e um sistema de cobrança de impostos de agricultores e donos de lojas que permite a coleta de até US$ 100 milhões por ano.
Para um dos líderes da comunidade somali em Uganda, Abdullahi Hajji Ahmed, o governo central só terá sucesso em sua luta quando montar uma estratégia para enfraquecer a base de recrutamento do grupo, que em árabe significa "A Juventude". A justificativa para a guerra seria expulsar milícias que atuam em nome do Ocidente. "Para isso será necessário mostrar benefícios sociais para essas famílias, mas isso será difícil diante da atual crise", completou.
ENVIADO ESPECIAL A DHOBLEY, SOMÁLIA
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