A morte de Osama bin Laden não livra o mundo do terrorismo. Como mártir, ele inspira mais de uma dezena de grupos radicais espalhados por todos os continentes que ameaçam a segurança do planeta
Yan Boechat e Claudio Dantas Sequeira
A morte do maior terrorista de todos os tempos trouxe alívio e apreensão. A eliminação do saudita Osama bin Laden foi uma vitória histórica contra aquele que era considerado o inimigo número 1 dos Estados Unidos – e, em menor escala, do Ocidente cristão. Mas seu fim também tende a alimentar um forte sentimento de vingança no seio da rede terrorista que ele comandava, a Al-Qaeda, e todas as suas ramificações. Enclausurado em uma espécie de bunker de luxo no Paquistão nos últimos cinco anos, Bin Laden já não tinha a mesma influência operacional dos tempos em que comandava sua organização dos campos de treinamento afegãos. No entanto, mesmo sem seu controle direto, a Al-Qaeda e grupos terroristas feitos sob sua imagem e semelhança espalhados pela Ásia, Oriente Médio e norte da África continuam ativos, apenas aguardando uma brecha nos esquemas de segurança. Hoje, pelo menos dez organizações que sustentam suas lutas com base no terror estão operativas no mundo e parte dos homens que ajudaram Bin Laden a construir a mais efetiva organização terrorista da história moderna continua à solta, preparando-se para atacar novamente. Os principais nomes dessa lista de procurados ilustram a abertura desta reportagem.
Agências de segurança de todo o mundo passaram a última semana debruçadas sobre relatórios, mapas e informações secretas a fim de analisar e projetar quais seriam as reações desses grupos à morte de Bin Laden. No pior dos cenários, os vingadores do terrorista saudita poderiam lançar um ataque nuclear contra os EUA. Em 2008, o egípcio Sharif al Masri, hoje preso na base de Guantánamo, surpreendeu os agentes da CIA e do FBI que o interrogavam ao responder a uma pergunta sobre o que aconteceria se Bin Laden fosse capturado ou morto. “Uma bomba nuclear seria detonada nos EUA”, disse Al Masri. O depoimento aparece num informe secreto elaborado em setembro daquele ano pelo Departamento de Defesa americano sobre outro terrorista, o líbio Abu Faraj al Libi, homem da Al-Qaeda responsável por experimentos de guerra nuclear, química e bacteriológica em campos de treinamento no Afeganistão. Estreito colaborador de Bin Laden, Al Libi seria um dos poucos membros da cúpula do grupo terrorista autorizado a dar ordem para um eventual ataque.
De acordo com a ficha do líbio, a Al-Qaeda possui um artefato nuclear, mas tem dificuldade para transportá-lo. A bomba, segundo Al Masri, estaria escondida na Europa e somente Al Libi saberia sua exata localização. O plano para detoná-la nos EUA envolveria terroristas europeus “descendentes de árabes ou asiáticos” e Libi dispunha de uma equipe de 50 suicidas para a operação.
As informações colhidas, em geral sob tortura, nos depoimentos de Guantánamo nunca foram confirmadas na prática. Mas também em momento algum foram descartadas. Na visão de analistas de segurança, um ataque nuclear, ainda que de pequena magnitude, é pouco provável, ao menos neste momento. “A possibilidade é baixa”, diz o brasileiro Salvador Ghelfi Raza, analista de segurança e integrante de uma equipe de consultores internacionais da Casa Branca. “Bombas nucleares emitem radiação, e até agora nenhuma agência, governamental ou não, detectou qualquer nível de vazamento que pudesse indicar que material radioativo estivesse circulando livremente pelo mundo”, diz Raza.
Um ataque de grande magnitude para vingar a morte de Osama bin Laden é o sonho de seus seguidores. Na sexta-feira 6, a Al-Qaeda reconheceu pela primeira vez a morte de seu líder e prometeu “caçar” os Estados Unidos para vingar Osama. Um dia antes começaram a surgir as primeiras informações sobre computadores e discos rígidos, além de 100 CDs, DVDs e pen-drives apreendidos na casa de Bin Laden. De acordo com informações do governo americano, a Al-Qaeda planejava atacar um trem nos Estados Unidos para comemorar os dez anos do 11 de setembro. “As linhas de transmissão, a malha rodoviária, os aeroportos são potenciais alvos”, afirma Raza. Em um primeiro momento, reconhecem analistas, os alvos preferenciais dos vingadores de Osama devem ser fora do território americano. “Haverá muitas reações violentas da Al-Qaeda contra alvos americanos em células no Iêmen e no Iraque”, afirma o analista Ali al-Fil, do centro de estudos Ibn Khaldun, no Cairo.
A vingança à morte de Osama é apenas parte, pequena até, da ameaça terrorista. Seu desaparecimento não elimina nem mesmo enfraquece de forma concreta os diversos grupos que usam a violência contra alvos civis mundo afora na tentativa de alcançar objetivos políticos, em geral atrelados a questões religiosas. Há tempos Osama já não tinha controle direto sobre as franquias da Al-Qaeda no Iraque, no Iêmen ou no norte da África, sem contar as células independentes nos Estados Unidos, França Itália e Inglaterra, onde o MI5, o serviço de espionagem britânico, estima que haja cerca de dois mil seguidores de Bin Laden. E embora os vínculos entre a Al-Qaeda e outros grupos militantes espalhados pelo mundo, como o Jemaah Islamya, na Indonésia, e o Abu Sayyaf, nas Filipinas, tenham se enfraquecido nos últimos anos, a morte do terrorista saudita pode ajudar a reaproximá-los. Na quarta-feira 4, por exemplo, houve várias manifestações nesse sentido nos países-sedes dessas organizações. “Foi Bin Laden quem venceu. Ele teve a vitória com a qual sonhava: morrer fuzilado como mártir por seus inimigos”, afirmou Son Hadi, porta-voz do grupo islâmico indonésio Jema’ah Ansharut Tauhid, fundado pelo clérigo Abu Bakar Bashir. Da mesma forma, a Frente de Defensores Islâmicos, também da Indonésia, promoveu uma reunião em sua sede em Jacarta para manifestar gratidão pelos “serviços” prestados pelo “mártir” Bin Laden. “Que no futuro nasçam outros Osamas que tenham ainda mais bravura para combater pelo Islã”, escreveu a organização em um cartaz pendurado na fachada da sede.
Não há dúvida de que a morte de Bin Laden fecha um capítulo traumático da história ocidental. Só não está claro ainda se esse encerramento é simbólico ou prático. No fim das contas, o filho de uma rica família de empreendedores imobiliários iemenitas que se instalaram na Arábia Saudita na primeira metade do século passado conquistou um de seus maiores objetivos: criar uma ideologia unificadora que tem como principal objetivo destruir a influência ocidental sobre o mundo islâmico. A Al-Qaeda nunca escondeu que a estratégia de construir um grande califato passava por forçar as potências ocidentais a embarcar em uma espécie de nova Cruzada. Tentou isso em 1998, ao explodir uma bomba no subsolo do World Trade Center, e alcançou seu objetivo três anos depois, ao destruir as mesmas torres gêmeas e levar os Estados Unidos e a Grã-Bretanha para duas desastradas guerras.
Dessa forma, Osama conseguiu galvanizar um método de terror novo, que até seu surgimento estava praticamente restrito a uma região específica do mundo. A figura do homem-bomba, do terrorista suicida e das madrassas que servem como escolas de assassinos é recente, assim como é recente a estratégia terrorista dos grupos islâmicos. Ela surgiu pela primeira vez na história em 1968 com o sequestro de um avião da El Al que fazia o voo entre Atenas e Cairo. Naquela época, o terrorismo era quase uma exclusividade dos grupos de extrema esquerda de inspirações marxistas ou maoístas. O primeiro ataque suicida de grande magnitude só ocorreu 15 anos depois, quando um caminhão repleto de bombas foi jogado contra uma base militar americana em Beirute, matando 241 soldados dos Estados Unidos.
Ao forçar os ataques ocidentais ao mundo muçulmano, Osama globalizou o terror islâmico. Apenas nos meses que se seguirão uma avaliação mais clara poderá ser feita sobre o impacto de sua morte sobre esses tantos grupos que o tinham como um líder ideológico e espiritual. Há quem avalie que o movimento se tornará menos global, preocupado com causas mais locais, como a criação de um estado independente ou a implantação de uma corrente religiosa. Mas há também quem acredite que a morte de Bin Laden vai ampliar o foco mundial do terror, fazendo do terrorista uma espécie de Che Guevara islâmico. “É uma questão simbólica. Os terroristas perderam o seu líder carismático, quase espiritual”, afirma o americano John Ikenberry, professor de relações internacionais da Universidade de Princeton. Para os Estados Unidos, no entanto, isso, neste momento, parece importar pouco. O foco parece continuar na caça aos responsáveis pelo 11 de setembro. “Trata-se sobretudo de detectar as ameaças que estão em marcha e de alcançar outros objetivos no seio da Al-Qaeda, como Zawahiri”, disse Michael Leiter, diretor do Centro Nacional Antiterrorismo dos EUA, referindo-se ao sheik egípcio Ayman Al Zawihi, o sucessor de Bin Laden. Em meio a tantas dúvidas, a tantas interpretações distintas, apenas uma coisa continua certa: o mundo ainda não está livre da ameaça terrorista nem mais seguro após a morte do maior terrorista da história.
Quem quiser encontrar um agente da CIA, do Mossad ou do MI5 na América do Sul, basta entrar em qualquer mesquita da região da Tríplice Fronteira entre Paraguai, Brasil e Argentina. O local, que sempre foi alvo da preocupação dos EUA por causa da presença de uma grande comunidade árabe, atraiu ainda mais as atenções das agências de segurança internacionais depois da descoberta de uma foto das Cataratas do Iguaçu num esconderijo de Osama bin Laden, no Afeganistão. Do lado brasileiro, Foz do Iguaçu serve como santuário de extremistas, tanto para o fluxo de informações como de recursos financeiros e de pessoas, dizem os Estados Unidos. No final do ano passado, o WikiLeaks revelou o conteúdo de um telegrama diplomático no qual o Departamento de Estado pede a seus representantes que investiguem a possível presença da Al-Qaeda, de grupos radicais como Hezbollah e Hamas, além de “agentes estatais iranianos”. A principal suspeita é de que a fronteira comum entre os três países serve como fonte de financiamento desses grupos e abrigou os autores dos atentados contra a embaixada de Israel e da associação mutual judia Amia, em Buenos Aires. Os dois ataques deixaram mais de 100 mortos. Os Estados Unidos mantêm estreita cooperação com as agências de inteligência dos países da Tríplice Fronteira. A PF e a Abin trocam constantemente informações com os americanos e, apesar de não possuir legislação antiterrorismo, procura enquadrar suspeitos no código penal. O último relatório global sobre o tema, divulgado pelos EUA no final de 2010, elogiou as medidas tomadas pelo governo brasileiro no combate ao terror na América Latina. “Em julho, o chefe da Divisão de Inteligência da Polícia Federal afirmou que um indivíduo preso em abril tinha ligações com a Al-Qaeda”, diz o documento, em referência às declarações do delegado Daniel Lorenz sobre a detenção do libanês Khaled Hussein Ali.
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