Ivanaldo Santos
Filósofo
Após a revolução que derrubou o regime do presidente Hosni Mubarak, que estava no poder no Egito a quase 30 anos, o Ocidente passou a conhecer, um pocuo melhor, a polêmica organziação radical islâmica, fundada em 1928, conhecida como Irmandade Muçulmana ou simplesmente a Irmandade.Ela foi uma das organziadores e, por conseguinte, um dos líderes da Revolução da Praça Tahrir, também conhecida como Revolução de Lótus e Revolução do Nilo, e que questionou a situação econômica e a falta de liberdade política no Egito. Esse questionamento se agravou, até que no dia 11 de fevereiro de 2011 o então vice-presidente egípcio Omar Suleiman anunciou, pela emissora estatal de televisão, a renúncia do presidente Hosni Mubarak e, por conseguinte, o fim do regime.
A Irmandade Muçulmana afirma estar presente, de forma direta ou indireta, em 70 países e que trabalha, dia e noite, para reislamizar os países de maioria muçulmana e islamizar os não muçulmanos. Seu lema é: "Deus é o único objetivo. Maomé o único líder. O Corão a única Lei. A jihad [guerra santa] é o único caminho. Morrer pela jihad de Deus é a nossa única esperança".
O problema é que em alguns círculos midiáticos, em ambientes acadêmicos e principalmante em segmentos ideológicos identificados com a esquerda, a Irmandade Muçulmana está sendo apresenta como sendo uma versão islâmica, em pleno século XXI, do Iluminismo. Por essa versão, a Irmandade foi o grande movimento de libertação do povo egípicio contra a tirânia de Mubarak, de reivindição de melhores condições de vida e de mais liberdade de expressão, de questionamento a opressão do mundo globalizado e do imperialismo ocidental. Por essa ótica, a Irmandade é um movimento moderado e secular, que só deseja a liberdade de pensamento e melhorar a vida material dos cidadãos.
È preciso deixar claro que todo forma de reivindicar melhores condições de vida e de mais liberdade de expressão é bem vinda. Se a Irmandade se limitasse a fazer esse tipo de reivindicação, realmente ela seria a versão, no século XXI, do Iluminismo.
O problema é que não há nada mais estranho para a própria Irmandade Muçulmana do que o Iluminismo. De um lado, a Irmandade não está preocupada com questões filosóficas e muito menos com temas como a liberdade e a vida material. Não é possível aproximar o ideal defendido pela Irmandade com o pensamento esclarecedor de filósofos iluminsitas, como, por exemplo, Rousseau, Voltaire, Diderot e Kant. Do outro lado, a Irmandade está efetivamente preocupada e empenhada em colocar os preceitos do Corão em prática. E colocar esses precitos em prática de forma radical, absoluta, sem qualquer possibilidade de escolha por parte do indivíduo.
Na prática o ideal da Irmandade é totalmente contrário ao ideal iluminista. Enquanto o Iluminismo, no século XVIII, pregava a tolerãncia entre os credos religiosos, a liberdade de expressão e a livre manisfestação política, a Irmandade Muçulmana prega justamente o contráiro. Para a Irmandade só há uma religião, o Islã, e, por isso, todas as demais religiões são “infiéis” e, portanto, devem ser combatidas e derrotadas. Para a Irmandade não é possível existir liberdade de expressão, pois todo o comportamento humano está estabelecido pelo Corão. Por causa disso é impossível haver livre manifestação política. Todo o governo é orientado, com mão de ferro, pelos líderes islâmicos. Na visão da Irmandade a democracia não passa de um valor decadente do Ocidente secularizado.
O teórico da Irmandade Muçumana, Sayyd Qutb, proclama uma declaração de guerra total contra a democracia e outras formas de participação política. Para ele é preciso combater todas as formas de participação política. O motivo é que, segundo ele, nas formas de participação política as decisões e a autoridade cabe ao ser humano e não a Alá. Com isso, tem-se uma inversão dos papéis, ou seja, o homem passa a dar ordens a Alá e não ser guiado por ele. Vale salientar que a essência do secularimso e dos regimes políticos moderados é justamente a não interferência da religião dentro do poder político. E, como salienta Renso Guolo, no Islã não existe a separação entre religião e política, entre Igreja e Estado. Como se pode ver a Irmandade Muçulmana não representa o Iluminismo islâmico.
As consequências da ascenção da Irmandade ao poder político são as piores possíveis. Podemos citar três grandes consequências.
Primeira, crecimento do ódio e da violência religosa. No Egito, mal o regime de Hosni Mubarak foi derrubado, está havendo uma onda de perseguição aos não muçulmanos, especialmente aos cristãos. É claro que a queda do regime causou uma desorganição institucional e trouxe, como consequência, a desordem social. No entanto, a Irmandade sempre pregou o ódio aos não muçulmanos, a violência confecional. Agora, sem a orientção do regime Mubarak, a Irmandade está colocando em prática seus históricos planos que incluem, entre outras coisas, a ascenção ao poder político – da forma como foi apresenta pelo porta voz da Irmandade, Esam El-Erian, em entrevista a revista Veja (30/03/2011, p. 82-83) – e a perseguição aos não islâmicos.
Segunda, rompimento do acordo de paz entre Egito e Israel e, ao mesmo tempo, um pacto militar entre o Egito e o Irã, com o objetivo de atacar Israel. Se isso acontecer teremos uma nova onda de guerras e de terror no Oriente Médio. Uma onda que, muito provavelemnte, se espalhará por outras partes do mundo, incluindo a Europa e os EUA.
Terceira, crescimento, em escala mundial, do terror, da perseguição religiosa e o estabelecimento de regimes políticos, orientados pela Irmandade, em vários países do mundo islâmicos e em outras partes do planeta.
Por fim, é preciso afirmar que a Irmandade Muçulmana não representa o iluminsimo islâmico. Pelo contrário, ela representa o anti-iluminismo, a proposta política mais anti-democrática e anti-liberdade que existe. Ela deseja implantar um regime autoritário, centralizador, no qual não existirá liberdade individual. Será o estabelecimento da mais profunda idade das trevas que o Ocidente já viu. Enganam-se os grupos (esquerda, mídia e outros) que vêem na Irmandade uma porta para o Islã se abrir para os ideais iluministas. Pelo contrário, ela representa o estabelecimento do mais profundo absolutismo político.
Bibliografia:
GUOLO, Renso. Il partito di Dio. L’Islam radicale contro L’Ocidente. Milão: Guerini e Associati, 1994.
PAOLO, Branca. Voci dell’Islam moderno. Gênova: Marietti, 1997.
OS PLANOS OCULTOS DA IRMANDADE. Entrevista com Esam El-Erian, porta-voz da Irmandade Muçulmana. In: Veja, 30 de março de 2011, p. 82-83.
Fonte: Site do Heitor de Paola
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