Eis uma ótima entrevista concedida a Revista Catolicismo.
Declarações reveladoras e judiciosas de um ex-ministro iraniano nos apresentam o rico passado recente de sua nação e apontam os perigos iminentes a que ela está sujeita nos dias de hoje
Prof. Nahavandi “O regime atual do Irã é contrário às nossas tradições, cultura e história, da mesma forma que o regime comunista o foi em relação à Rússia”
O Prof. Houchang Nahavandi, ex-ministro do Xá Reza Pahlevi (ex-soberano do Irã), fez seu curso universitário na França e retornou a Paris durante seu exilio como professor de Geopolítica. Recebeu dois prêmios da Academia Francesa por seus escritos e tornou-se membro correspondente da Academia de Ciências morais e políticas — uma das cinco academias do Institut de France. Foi condecorado Grande Cruz da Ordem Imperial Houmayoun pelo Xá e Comendador da Ordem da Coroa da Bélgica.
Filho de um industrial estabelecido no norte do Irã (região próxima ao mar Cáspio), realizou seus estudos de Direito e Ciências Econômicas na Faculdade de Direito de Paris. De volta ao Irã em 1958, lecionou Economia Política, desenvolvimento e relações internacionais na Universidade de Teerã. Traduziu para o iraniano livros de economistas famosos.
No governo do Xá Reza Pahlevi (1919–1980), o Prof. Nahavandi foi Ministro do Desenvolvimento entre 1964 e 1968. Exerceu a reitoria das universidades de Shiraz (1964–1968) e de Teerã (1971–1977). Em 1978, assumiu as funções de ministro de Ciências e do Ensino Superior.
Condenado à morte pelo regime dos aiatolás (dirigido pelo aiatolá Khomeini, chefe máximo da revolução que derrubou o governo do Xá e dominou o país), sua cabeça foi colocada a prêmio, porém conseguiu fugir para a França passando pelo Curdistão, onde tinha alguns parentes, pois sua mãe era curda.
O Irã e o Brasil são dois mundos completamente diversos, mas circunstâncias políticas da atualidade os têm aproximado. Esta entrevista exclusiva, que o Prof. Nahavandi concedeu a Catolicismo por meio de nosso correspondente na França, Sr. Marcelo Dufaur, possibilita aos nossos leitores conhecer melhor aquela nação, envolta num clima de tirania e mistério.
* * *
Catolicismo—O Sr. poderia sintetizar a situação da antiga Pérsia e como se chegou até o Irã dos aiatolás?
Prof. Nahavandi—O Irã não se confunde com esse que é governado pelos aiatolás (verdadeiros ou falsos), governo que é um enxerto e não vingará, ainda que perdure alguns anos. O regime atual é contrário às nossas tradições, cultura e história, da mesma forma que o regime comunista o foi em relação à Rússia; mas com a diferença de que, devido à cegueira do Ocidente, muitos países têm sua culpa na revolução islâmica.
O império do Irã — ou império persa, como se costuma dizer no mundo ocidental — nasceu no século VI a.C., fundado por Ciro, o Grande, que unificou sem violência, e no respeito de cada nação, os reinos persa, elamita (cuja capital era Suze), meda, mais Mesopotâmia e Lídia (na Ásia Menor).
O Irã foi islamizado no século VII pela força e com uma violência inédita. Contudo, ao contrário de muitos outros países conquistados pelos árabes, o Irã soube e pôde preservar sua cultura nacional, sobretudo sua língua persa. A emancipação política começou dois séculos mais tarde.
Apesar dos grandes dramas que viveu, o Irã sempre permaneceu iraniano. A revolução khomeinista é a última de suas tragédias, que o país superará mais cedo do que pensamos.
“Se o Xá Reza Pahlevi (ex-soberano do Irã) não tivesse saído do Irã, Khomeini não teria entrado no país. Grande parte da população e até do clero o teria sustentado. Faltou-lhe firmeza” |
Catolicismo—Ao longo dessa história milenar, qual foi o papel da monarquia? O Sr. julga que caberia uma restauração do Trono do Pavão?
Prof. Nahavandi— A monarquia tem sido o único regime que o Irã conheceu, apesar de muitas dinastias sucederam-se ou coexistirem. Entre a fundação do império e a invasão árabe, o Irã conheceu só três dinastias: a dos Aquemênidas, de 550 a 330 a.C.; a dos Partas, de 250 a.C. até 224 d.C.; e a dos Sassânidas, de 224 a 650, quando se deu a conquista árabe.
31 anos após a queda da monarquia, uma imensa nostalgia por nosso passado tem nascido e paira atualmente no Irã. Especialmente entre os jovens, que nem sequer a conheceram: é o mito da Idade de Ouro. Esta nostalgia será suficiente para restaurarmos a monarquia, quando os iranianos terão a possibilidade e liberdade de escolher um novo regime e elaborar uma nova constituição . É difícil dizer. Mas penso que, voltando o Irã a ser iraniano, o chefe de Estado deveria ser o símbolo da unidade nacional e dententor de um poder moderador, e não um chefe do executivo, seja ele presidente ou monarca.
Catolicismo— Tendo sido conselheiro do Xá, qual o caminho que o levou a ser um dos seus colaboradores? Pessoalmente, como era Reza Pahlevi? Guarda lembranças dele e de sua família?
Prof. Nahavandi— Ao longo dos últimos anos do reinado do Xá, muitas vezes dei-lhe meus pareceres — que de fato foram pouco seguidos. Nos últimos meses de seu governo, quando ele ia se tornando cada vez mais isolado e abandonado, estive freqüentemente a seu lado. E fui visitá-lo depois, em seu exílio forçado. Era o mínimo que eu podia fazer. Creio que o regime iraniano foi, com o Xá Mohamed Reza, aquilo que poderíamos chamar de meritocracia.
Sou descendente de uma família da burguesia do norte do Irã, um tanto politizada. Minha carreira foi tipicamente clássica: universidade (depois de terminar meus estudos na França), gabinete do primeiro ministro, missão junto ao Mercado Comum, ministro aos 31 anos (um dos mais jovens do Irã no início do século XX); de volta à universidade, professor e reitor das duas maiores universidades do país — Shiraz e Teerã. Este período durou cerca de 20 anos (1958 – 1979), durante o qual nunca deixei de ensinar e publicar livros.
Guardo uma lembrança emocionada do Monarca. Era homem de uma grande cortesia, culto, poliglota, que amava seu país. Nas grandes ocasiões, em face dos reis e presidentes do mundo inteiro, ficávamos orgulhosos da figura do Xá e ufanos de ser iranianos. Lamento imensamente que, no final, ele tenha praticado muitas tergiversações e se tenha deixado conduzir. Isto custou-lhe um preço muito alto, e ainda mais para o Irã. Se ele não tivesse saído do Irã, Khomeini não teria ousado entrar no país — e este mesmo o reconheceu. O exército não teria sido decapitado, grande parte da população e até do clero o teria sustentado. No fim, faltou-lhe firmeza esclarecida.
Catolicismo— O Xá casou-se primeiro com a princesa Fawzieh, filha do rei do Egito, que não se sentia à vontade na corte de Teerã; depois, com Soraya Esfandiari, filha do embaixador do Irã na Alemanha, com a qual não teve herdeiro; finalmente com Farah Diba, da qual nasceram o príncipe herdeiro e mais três filhos. O Sr. as conheceu? Elas exerceram influência sobre o Xá e tiveram algum papel político?
Prof. Nahavandi— O primeiro casamento com a princesa Fawzieh do Egito foi arranjado, um tanto no estilo Ancien Régime da França. O segundo foi por amor. E o terceiro foi um casamento de conveniência. Quando criança, e depois quando adolescente, estive com a rainha Fawzieh. Nunca tive a ocasião de encontrar a imperatriz Soraya, pois eu ainda era estudante na França (1950 a 1958). Entretanto, conheci e convivi bastante com a Shahbanou Farah. Mulher aberta, inteligente, mas de esquerda. Ao longo dos últimos meses do reinado, ela desempenhou um papel político importante. Não era a favor de uma atitude firme frente às arruaças (ela própria reconheceu isso mais tarde). Penso que ela se enganou.
Catolicismo— Que outras pessoas das cercanias do monarca tiveram influência nos acontecimentos que levaram à sua queda?
Prof. Nahavandi— Sua irmã gêmea, a princesa Achraf, era muito impopular. Uma impopularidade que não favoreceu a causa da monarquia.
Com a queda do Xá, o aiatolá Khomeini (foto) liderou uma revolução que ainda hoje marca a política iraniana |
Catolicismo— No livro de sua autoria Khomeini na França – Revelações, o Sr. denuncia o papel dos EUA e a cumplicidade da França na queda da monarquia e na sua substituição pelo regime dos aiatolás. Quais foram, de fato, os interesses em jogo?
Prof. Nahavandi— Nos últimos anos do reinado, Washington, Paris e Londres não sustentavam mais nem a pessoa do Xá nem as ambições do Irã, que consideravam “desmesuradas”. Documentos oficiais americanos provam que a partir de 1974 os EUA preparavam a queda do Xá. Em outras palavras, a administração Carter passou aos atos. Paris seguiu esse movimento, na ilusão de que exerceria nessa operação um papel no plano mundial. Engendrou-se assim o monstro Frankenstein que, uma vez libertado, voltou-se contra seu criador. Outros falarão do complexo de Édipo de Khomeini. Por esse erro o Ocidente paga caro, pois a decolagem do islamismo radical, que ameaça o mundo, teve seu início naquela data. Infelizmente o duplo jogo continua, como outrora ocorreu com Stalin e Hitler.
Catolicismo— Quais foram as conseqüências para a população iraniana dessa revolução, fruto de uma ingerência estrangeira nos assuntos de seu país?
Prof. Nahavandi— Digo com a maior honestidade: Segundo as organizações internacionais e os centros de previsão mais judiciosos, o antigo regime tinha seus defeitos e pontos fracos. O atual regime só tem defeitos e pontos fracos.se não fosse essa revolução devastadora, o Irã estaria atualmente no nível da Espanha, seria uma das dez principais potências mundiais. Hoje, em que estado ele se encontra? É triste reconhecer...
Mas o país conseguirá vencer os desatinos do atual governo. Não tenho dúvidas sobre este ponto: o Irã verdadeiro será restaurado, e o parêntese será fechado.
Catolicismo— Qual sua avaliação sobre o perigo para o Oriente Médio, caso o Irã atinja a condição de potência nuclear? Ahmadinejad representa um perigo para seu povo e para o mundo?
Prof. Nahavandi— Certamente. Os esforços do atual regime iraniano para adquirir armas de destruição maciça são insensatos e perigosos. O Irã enquanto tal não tem nenhum inimigo externo. A URSS desapareceu, o Iraque e Israel também não representam inimigos para o Irã; e haveria mesmo, eu acredito, uma convergência histórica e geoestratégica objetiva entre o Irã e Israel.
Teerã quer também “sua bomba” para tornar inexpugnável o poder de seu regime, e assim desempenhar seu papel subversivo na região e alhures. Só para exemplificar, quem é que financia, enquadra e dirige de fato o Hamas palestino; os Hezbollahs libaneses; as milícias iraquianas; a união dos tribunais islâmicos na Somália e os homens de Hékmatyar (uma facção da insurreição afegã)? Teerã. O regime islãmico imagina que, com “a bomba”, ficará protegido.
Isto posto, o uso da força para impedi-lo seria um erro, e militarmente a agressão seria um fiasco, que politicamente reforçaria o regime. Eu me pergunto até se isto não é o desejo de gente como Ahmadinejad.
O regime poderia evoluir, e mesmo mudar internamente, pela atuação dos próprios iranianos, com o apoio dos iranianos da diáspora. É preciso ajudá-los politicamente.
Hugo Chávez (dir.) e Ahmadinejad (esq.) cada vez mais próximos. Uma perigosa situação para a América Latina
Catolicismo — Hugo Chávez tem favorecido uma aproximação diplomática, política e comercial entre o Irã e a América Latina. Não representa isso o risco de espalhar para a região um conflito que nos envolveria, e no qual não haveria nenhum benefício?
Prof. Nahavandi— Hugo Chávez está bem isolado no mundo diplomático e contestado no interior de seu próprio país. Ele procura aliar-se a países, por assim dizer, “contestatários”. Apesar de não ser tão extremado quanto Chávez, o presidente Lula da Silva adotou uma atitude incompreensível. Não será o efeito de um certo discurso “terceiromundista”, fundamentado numa análise equivocada da situação iraniana? É bem provável. Com efeito, não vejo qual o benefício real e durável que uma nação imensa como o Brasil poderia tirar de uma aliança com o islamismo subversivo.
Catolicismo— Os brasileiros podem contribuir para a normalização da situação interna do Irã? Quais seriam os meios?
Prof. Nahavandi— O Brasil tem um papel cada vez mais importante nos assuntos mundiais. É capital o apoio político, moral e midiático deste país para uma evolução positiva da situação iraniana, de modo que os iranianos possam tornar-se senhores de seu próprio destino. Espero que esta entrevista possa contribuir em algo para isso.
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